por Jorge Antonio Barros -
24.12.2012
CRÔNICA
Dois sentimentos deveriam prevalecer no Natal de qualquer ser humano: paz e alegria. Mas há no mundo um incontável número de conflitos armados e a tristeza domina muitos povos e nações. Quando se vê a tradicional movimentação de Natal e os preparativos para a ceia de hoje à noite, é difícil imaginar que mais de dois mil anos após o nascimento do menino-Deus a humanidade ainda sofra tanto. Para os cristãos, o sofrimento é consequência direta do fato de a humanidade ter rejeitado o salvador. Não ter entendido direito por que e para que ele veio. É. Pode ser.
O fato é que é nesta época do ano que algumas dores se tornam mais vivas. A saudade de alguém que se ama e está distante, tão distante que nem a internet alcança. A saudade de alguém que partiu e nunca mais deu notícias. A saudade de alguém que morreu e era muito importante, sobretudo no Natal. Imagino que todas essas dores não se comparem a dor do pai que perdeu sua filha neste Natal. A história de um me chama a atenção porque aconteceu na cidade onde moro.
É o caso de Luiz Gustavo da Silva, pai de Flávia da Costa Silva, de 26 anos, que morreu hoje de manhã três dias depois de ter sido internada em estado grave no Hospital do Andaraí. Chegou ali com uma bala na cabeça, disparada provavelmente num confronto entre traficantes de uma favela com o terrível nome de Árvore Seca. Flávia não brigou com ninguém. Nem mesmo reagiu a algum assalto. Ela estava dentro de um ônibus da linha 232 (Praça Quinze-Lins). A "pedrada" quebrou o vidro e Flávia tombou no chão do coletivo. Alguns passageiros ainda se jogaram ao chão, temendo mais balas. Consta que Flávia foi a única atingida dentro do ônibus.
Parece história de terror. Morreu na véspera de natal a jovem que foi atingida na cabeça por uma bala perdida, dentro de um ônibus no Engenho Novo. E o pior é que nenhum de nós está livre disso neste país, onde são mortas 50 mil pessoas por ano e neste estado, sobretudo nas áreas fora das 28 Unidades de Polícia Pacificadora. Quatro anos depois da inauguração da primeira UPP, no Morro Santa Marta, ninguém mais pode dizer que a situação da cidade piorou do ponto de vista criminal. Mas a blindagem das UPPs a críticas não pode ser determinante a ponto de não olharmos mais para outras partes da cidade onde se refugiram os egressos das áreas beneficiadas pelo projeto de pacificação.
O aumento da concentração de criminosos na Baixada, Niterói e Zona Norte do Rio é um indício claro de que houve migração de traficantes que atuavam nas áreas pacificadas. E os moradores daquelas áreas não podem esperar eternamente pela chegada de UPPs. A polícia precisa agir em áreas ainda não pacificadas, o Estado brasileiro precisa controlar a entrada de armas e drogas nas fronteiras, os legisladores precisam estar antenados com as mudanças necessárias para tornar a polícia mais ágil e menos corrupta.
A situação é complexa, não há dúvida. Mas tente explicá-la ao pai de Flávia e a família dela, hoje à noite, na ceia de Natal. Justamente agora que estavam tão felizes que a moça, recém formada, havia conseguido um bom emprego.
Para tentar amenizar sua dor, Luiz Gustavo reage:
— Não quero deixar o assunto morrer. Quero saber quem foi que matou minha filha -- desabafou o pai.
Para tentar amenizar a dor de mais uma família enlutada, deveríamos ser totalmente solidários com a luta dela. É para que um dia menos pessoas sintam essa dor na véspera de Natal.
Sonho com um mundo no qual pelo menos um dia do ano não deveria haver nenhuma dor, para nenhuma pessoa, nem mesmo para aquelas que provocam dores nas outras pessoas e depois é Deus quem paga a conta.
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